Photograph - Laura e Renato #3

(Leia ouvindo a música)


Analisando a minha situação atual, vejo que agora a ideia de beber sozinha não foi muito boa. Estava deitada, sentindo o frescor do ar condicionado começando a gelar o quarto e com a cabeça girando. Renato estava na minha, quer dizer, na nossa casa de novo. Aposto que estava na cozinha matando as saudades da mobília decente que nós dois escolhemos e que ele não tem no apartamento dele, afinal de contas, era aqui que ele morava. E é aqui que ele tem que continuar morando. Eu só não consegui fazer isso. Ainda.

Liguei a TV para tentar focar em outra coisa além da minha tontura, mas as luzes só me deixavam mais tonta ainda. Fiquei olhando pro teto e esperando Renato levar minha comida. Acho que cochilei por uns dez minutos, porque quando abri os olhos foi porque ele me chamou.

- Acorda, Laura. Se você dormir bêbada assim amanhã vai passar o dia com dor de cabeça.
- Eu não to bêbada, Renato. Só tô um pouco alta.
- Foi exatamente isso o que você disse nas últimas vezes em que estava bêbada. - Não podia ir contra aquilo. Era verdade. Mas eu não me renderia tão facilmente.
- Se eu não lembro, não posso concordar com você. - Eu ri.
- Isso só prova que eu estou certo. Como sempre. - Ele debochou.
- Como sempre? Nem em sonho, querido.
- Me diz uma ocasião em que você estava certa e eu não.
- Não consigo lembrar agora, mas eu sei que estou certa na maior parte das vezes.
- Se você não lembra, não posso concordar com você. - Ele usou meu veneno contra mim.
- Touché. - Falei. - Cadê a comida, Renato? - Perguntei, percebendo pela primeira vez que ele só tinha trago uma caneca.
- Você vai tomar um café forte antes de comer. Pra cortar o efeito do álcool. Não vou deixar nossa primeira conversa depois de semanas ser com você alta.

Relutei mais um pouquinho por puro charme. Eu estava gostando bastante de todo o cuidado dele comigo, para falar a verdade. Sentia falta daquilo como se fosse uma coisa vital. No fim das contas, de repente até era, porque tenho certeza que uma parte de mim morreu quando ele foi embora.

- Você vai demorar mais para me dizer o que houve com o seu cabelo só para me deixar curiosa? - Perguntei, me sentindo um pouco mais sóbria depois de um balde de café. Ele riu.
- Não sei se quero realmente te contar o que aconteceu.
- Você disse que ia explicar! E eu vou insistir até a morte se você não me contar agora porque raios os seus cachinhos não estão mais onde deveriam estar e você está semi careca. - Eu fingi estar com raiva. Mas a parte de que insistiria em saber era verdade.
- É bobo demais.
- Depois de tanto tempo você ainda se preocupa com o que é bobo ou não em relação a mim?
- É...
- E é bem capaz de eu gostar justamente por ser bobo.
- Isso é verdade.
- Então...
- Vamos comer primeiro. - Tentei protestar, mas ele não deixou - Deixei duas lasanhas congeladas no microondas e elas devem estar prontas. - Fiz careta. - E eu sei que você sempre quebra a dieta, então não começa a reclamar, por favor.
- Qual é o sabor da minha?
- Quatro queijos. Com bacon.
- Você está perdoado. Mas eu ainda não esqueci do seu cabelo. - Falei enquanto me levantava para ajudá-lo.
- Onde você vai? - Ele perguntou.
- Te ajudar. Você é fisicamente incapaz de trazer dois pratos e dois copos de uma vez só. E nós dois sabemos disso. - Como se tivesse reconhecido a deficiência, ele abriu a porta do quarto e me deixou passar. Ainda estava um pouco tonta, mas já conseguia andar sem precisar de ajuda.

No caminho para a cozinha, com o apartamento tomado pelo cheiro maravilhoso e nada saudável das nossas lasanhas, eu tive uma epifânia. Nem sei se o nome disso que eu tive é realmente epifânia, mas acontece que eu percebi uma coisa. Que se eu não fizesse nada naquele momento, Renato ia jantar comigo e depois ia embora. E eu ia ficar na mesma situação deplorável de abandono humano de antes. Me virei subitamente e Renato, que estava vindo atrás de mim, acabou por esbarrar e me fazer bater com o rosto em seu peito no escuro.

- Que foi? - Perguntou. - Desistiu de comer?
- Desculpa. - Não sabia o que fazer, mas acho que começar por aqui seria bom. - Eu fui uma idiota. Não devia ter te falado nada do que falei naquele dia. Eu só me deixei levar pelo ciúme e pelo medo de te perder e não vi que não tinha nada acontecendo ali e cara, eu acho que as duas semanas que você não passou comigo foram as piores da minha vida toda, porque eu esqueci de fazer tudo o que era importante, perdi a vontade de me divertir e passei todos os dias comendo tudo o que tinha dentro dessa casa, agora to sem nada pra comer, passando fome e bebendo sozinha na varanda e isso é tão deprimente! - Parei de falar para respirar e porque comecei a chorar. - Eu sinto falta de você me fazendo cócegas, me beliscando e me jogando no sofá pra vencer a corrida até a cama antes de dormir. E minhas manhãs não foram mais as mesmas sem seus bilhetes no espelho do banheiro quando precisava sair mais cedo, ficava com pena de me acordar, ativava o meu despertador e preparava meu café. Eu não te mereço, Renato. Eu sou uma grossa, estúpida e pavio curto. Você pode arrumar alguém muito melhor que eu e eu ficaria feliz por te ver com alguém que pudesse ser tão maravilhoso para você quanto você é para mim. Eu ficaria destruída, mais do que estou agora, mas ficaria tristemente feliz, se é que isso é possível. Então, por favor, me diz que você não tem outra pessoa porque eu acho morreria agora mesmo se isso fosse verdade. Volta pra casa. Volta pra mim.
- Achei que você fosse morrer sem ar. - E foi assim que ele me fez rir em meio às lágrimas.
- Eu só não sabia o que dizer e quando descobri, disse tudo de uma vez.
- Percebi.
- Essa é a parte em que você comenta o meu discurso.
- Achei motivador. Você podia ter feito pausas para ajudar na compreensão do discurso mais vezes, mas a emoção passada na sua voz desesperada misturada com as lágrimas foi bem emocionante... - Ele falou com voz de professor.
- Renato... - Interrompi.
- ... e teve o resultado desejado. Seu ouvinte não só estava disposto a fazer as pazes com você hoje, como também faria isso com ou sem esse seu discurso arrependido. Ele passou por dias tão ruins quanto os seus e nunca agradeceu tanto aos céus por você ter ficado bêbada, porque o orgulho dele não o deixava te ligar. No caminho para cá, ele estava mais nervoso do que no primeiro encontro de vocês. Inclusive, ele descobriu que não sabe mais morar sozinho sem te ouvir reclamar da tábua do vaso levantada, sem abastecer o seu carro e te dar presentes. Ele percebeu que tinha feito merda quando logo depois de ter dado a carona para a colega de trabalho que desencadeou a briga de vocês e de ter voltado para casa, ela deu em cima dele descaradamente. Ele só conseguia pensar que você estava certa. E tudo o que ele mais quer fazer agora é te dar um beijo e pedir pra você o aceitar de volta. - Ouvi tudo calada.
- Ele não prestou atenção no que eu disse, como de costume, né? - Ele fez uma cara triste, achando que eu ia brigar de novo e pela primeira vez percebi que ele estava chorando. Sequei suas lágrimas. - Ele não precisa pedir para eu o aceitar de volta. Eu nunca o deixei ir.

Era tudo o que Renato precisava para me puxar para seus braços de novo, dessa vez, da forma como eu queria desde o início. Urgente, me fazendo lembrar de como eu senti falta daquilo nas últimas duas semanas.

Acabamos por esquecer na lasanha e quase duas horas depois, deitados no sofá, eu lembrei.

- O que houve com seu cabelo, afinal de contas? - Ele riu.
- Lembra da primeira foto que nós tiramos juntos?
- Na calourada da faculdade, no ano em que eu entrei pra engenharia e você pra publicidade. Eu tenho essa foto na carteira. - Falei.
- E como eu estava nessa foto?
- Totalmente sem cabelo por causa do trote.
- Foi naquela noite que eu comecei a me interessar por você. E desde então, nunca olhei pra outra mulher. - Eu sabia que nosso rolo tinha começado na faculdade, mas não que tinha sido tão no início.
- A gente demorou quase três anos depois daquilo pra ficar juntos.
- E eu te amei esse tempo todo. Então achei que ia conseguir voltar pra aquela época. Esperaria três anos de novo se soubesse que ia te ter no final. Tive medo de ter terminado de vez pra gente. Cortei o cabelo. - Eu estava com aquele sorriso bobo que nenhum outro cara me fez dar em toda a minha vida.
- Eu te amo, Rê.
- Também te amo, Fiona.
- Você não em chama assim desde a faculdade. - Eu ri.
- Você continua uma ogrinha.
- Verdade. Ah, se é assim, estou com fome! - Lembrei das lasanhas.
- Eu deixo você se levantar com uma condição. - Ele sussurrou no meu ouvido.
- Acho que consigo esperar mais um pouquinho.

Me entreguei a ele de novo. E sabia que dessa vez seria sem volta.


4 comentários:

  1. ARIEL DO CÉU, POR QUE RAIOS TU NÃO ESCREVEU ISSO ANTES? hahahaha
    Amei o "happily ever after" deles com todas as letras, sem exageros ♥
    (E, só pra constar, esse texto mexeu comigo de muitas formas, porque olha... rs)

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    1. Porque só agora veio a inspiração! Eu comecei esse texto três vezes há muito tempo e esses dias ouvi a música do Ed e comecei do zero. Saiu isso. Até eu to apaixonada por eles dois <3

      Obrigada chuchu!

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  2. A-P-A-I-X-O-N-A-D-A <33
    (pelo o nome da personagem tbm kkkk)

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    1. Laurinhaaaaaaaaaaaaa, o nome dela é por sua causa!

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