- Você está me machucando, Daniel! Solta o meu braço! – Falei enquanto ele me puxava pela rua até o apartamento dele, tentando não chamar mais atenção do que nós dois já estávamos chamando.
- Me solta! – Falei um pouco mais
alto e ele continuou sem responder. Apenas me olhou enquanto me puxava
discretamente, mas com força, pela entrada de seu prédio.
- Fica quieta, Mariana. –
Ignorei.
- O que deu em você, hein? –
Perguntei quando nós entramos no elevador. Tentei não pensar em todas as vezes
em que entrar naquele elevador significou a maior felicidade do meu dia. E
tentei ignorar o pulo que meu coração deu só de pensar nisso. – Você perdeu a
língua? – Provoquei quando percebi que não ganharia resposta alguma para a
minha pergunta. Ele apenas me olhou do alto. Resolvi parar de resistir porque
quanto mais eu lutava, mas ele apertava o meu braço e eu já podia imaginar
aquilo ficando meio roxo mais tarde. Esses eram os problemas de se ter uma pele
branca, quase translúcida.
Chegamos ao oitavo andar e quando
saímos do elevador, passamos por Marcos, o vizinho de Daniel. O conhecia de dar
bom dia, apenas, mas ele pareceu surpreso por me rever. Coisa que fez questão
de esconder rapidamente colocando os óculos escuros e fingindo que não tinha
percebido que eu estava sendo quase carregada. E pior: que eu estava deixando
que isso acontecesse. Mesmo depois de ele ter visto a mesma coisa que eu
naquela noite.
Era bem verdade que eu deixaria e
aceitaria qualquer coisa que Daniel me pedisse. Eu me fazia de durona, mas era
apaixonada por ele desde os vinte anos. Já tinha tentado resistir zilhões de
vezes antes dessa, mas era inútil. Quando alcançamos a porta do apartamento, eu
já sabia o que ia acontecer assim que ele a fechasse atrás de nós dois. Já
tinha acontecido antes. E eu passei todos os dias das últimas três semanas
ansiando por isso.
Ele trancou a porta, tirou a
bolsa dos meus ombros e a colocou no chão aos nossos pés em um só movimento. Um
segundo depois, eu estava em seus braços, com as pernas em volta de seus quadris
enquanto ele me prendia contra a porta.
Daniel me tinha nas mãos sempre
que quisesse. Ele sabia e se aproveitava disso. E eu deixava. Eu pedia e
gostava disso. Já tinha desistido de tentar me ajudar. Ele era o único cara que
já tinha demonstrado algum interesse por mim. Pelo menos o único que eu deixei
que se interessasse. Era meu carma. Minha sina. E eu tinha plena consciência
disso enquanto estava com ele naquele sofá.
Também já sabia que me
arrependeria assim que saísse pela porta. Lágrimas traidoras escorriam sem que
eu conseguisse conter enquanto eu esperava o elevador para descer. Perdi a
paciência e resolvi ir até as escadas. Quando me vi sozinha, as lágrimas só
aumentaram. Sentei em um dos degraus e esperei que a fase do arrependimento passasse.
Sempre passava. Eu sempre esquecia. E sempre queria voltar. Daniel era meu
vício. E eu não fazia a mínima questão de reabilitação.
- Você precisa de ajuda? – Me
assustei com a voz que não reconheci e dei um salto ao olhar para cima. –
Calma, eu não vou te machucar. – O estranho que agora eu tinha reconhecido como
Marcos disse enquanto se afastava um pouquinho e colocava as mãos para cima.
- Não precisa se preocupar. –
Sequei as lágrimas no meu rosto. – Eu estou bem.
- Você não parece bem, Mariana. – Ele também lembrava o meu nome e eu me surpreendi com a constatação a que cheguei rapidamente: Marcos se importava a ponto de lembrar, por mais que eu tivesse dito meu nome a ele mais de seis meses atrás, em uma das minhas muitas idas e vindas desse prédio, logo assim que ele se mudou.
- Você não parece bem, Mariana. – Ele também lembrava o meu nome e eu me surpreendi com a constatação a que cheguei rapidamente: Marcos se importava a ponto de lembrar, por mais que eu tivesse dito meu nome a ele mais de seis meses atrás, em uma das minhas muitas idas e vindas desse prédio, logo assim que ele se mudou.
- Vou ficar bem. – Forcei um meio
sorriso.
- Eu não vou te fazer perguntas.
Mas acabei de voltar da academia e vou jantar em casa. Tem comida suficiente
para nós dois. Se estiver com fome, as portas estão abertas.
- Eu acho que preciso sair desse
prédio. – Falei, jogando fora qualquer tipo de ressalvas em relação a Marcos.
Pior do que a noite estava não poderia ficar. Pelo menos ele parecia
verdadeiramente preocupado.
- Posso oferecer a minha
companhia?
- Você não vai mesmo fazer
perguntas sobre o seu vizinho?
- Só quando você quiser
responder.
- Então eu aceito a companhia.
Marcos estendeu a mão e eu
reparei que ele não parecia com quem tinha acabado de voltar da academia.
Estava arrumado e, não pude deixar de perceber quando peguei sua mão estendida
e me levantei, bem cheiroso. Também reparei, pela primeira vez, que ele era bem
mais alto. Eu estava dois degraus acima e nossos olhares, ainda assim, não
estavam alinhados.
Ele guardou as chaves de casa na
bolsa de academia que trazia nos ombros e pegou as chaves do carro no mesmo
compartimento. Gelei por dentro.
- Nós precisamos ir de carro? –
Perguntei quando chegamos ao primeiro andar, antes de descer mais um para a
garagem. Ele era atlético como eu, não demonstrava nem um sinal de estar
ofegante mesmo depois de descer oito lances de escadas. A academia,
definitivamente, não era para emagrecer.
- Está ficando tarde. Pode ser
mais seguro para a volta.
- E aonde nós vamos?
- Você tem alguma sugestão?
- Não. – Falei. – Só não quero
ficar em lugares fechados. Preciso respirar.
- Tive uma ideia. – Ele sorriu e
eu reparei que, pela primeira vez, Marcos me dirigia um sorriso de verdade, que
não era simplesmente por ser cordial.
- E qual é essa ideia? –
Perguntei enquanto entrávamos na garagem. Fiz questão de ignorar a moto de
Daniel no canto. E mais questão ainda de esquecer dele, pelo menos enquanto
estava com Marcos.
- Você vai ter que confiar em
mim. – Ele disse, apertando o botão no controle em suas mãos. O carro que
obedeceu ao comando era uma caminhonete preta que, de tão alta, provavelmente
ia me fazer parecer uma menininha indefesa que precisa de ajuda para subir num
carro.
- Primeira verdade sobre mim que
você vai aprender essa noite: eu não confio em ninguém.
- Então você vai ter que esperar
para descobrir, porque a minha primeira verdade da noite é a minha terrível
persistência.
Logo depois de ter falado, ele se
dirigiu ao banco do motorista do carro e abriu sua porta. Num reflexo, abri a
minha também e entrei sozinha. Eu não era uma menininha indefesa que precisa de
ajuda para subir num carro, afinal de contas. Dei um meio sorriso quando fechei
a porta.
- Onde você mora, Mariana?
- No Flamengo. Aqui pertinho.
- Ótimo. Minha ideia vai dar
certo, no fim das contas. – Me segurei para não perguntar mais sobre a tal
ideia porque não queria parecer curiosa, mas ele obviamente supôs que eu estava
morrendo de vontade de saber para onde estávamos indo.
- Você é curiosa. – Não foi uma
pergunta.
- Um pouco. Você é perceptivo.
- Bastante. – Ele sorriu
novamente. – Ah. – Marcos parece ter se lembrado de alguma coisa. – Apenas uma
coisa pode estragar meus planos agora.
- O que?
- Você é daquelas mulheres que
vivem de dieta? – Parei para pensar.
- Depende do que você considera
como dieta.
- Comer meia azeitona e uma folha
de alface no almoço e achar que está engordando com isso.
- Odeio azeitonas. – Eu ri. – E
definitivamente, não abro mão de proteína na minha dieta. Só tomo cuidado para
não comer besteira demais, porque se eu me permitir, como batata frita todos os
dias.
- Quanta força de vontade.
- Nem fala. – Ele olhou de lado e
me analisou rapidamente.
- Impossível ter o seu corpo só
evitando comer batatas fritas. – Outra afirmação. Correta, por sinal.
- Verdade. Digo o mesmo de você.
É preciso de um para reconhecer o outro. – Deixei claro que tinha reparado que
ele também tinha um corpo bonito.
- Eu sou dono de uma academia em
Copacabana. Já fui personal trainer. Nunca perdi os hábitos saudáveis.
- E eu sou...
- Bailarina. – Dessa vez eu
realmente me assustei. Arqueei uma sobrancelha e olhei para ele.
- Seus pés estão machucados, suas
panturrilhas são mais fortes do que as minhas e você fez um coque em cinco
segundos assim que entrou no carro. Ah, e as fitas da sua sapatilha de ponta
estão para fora da bolsa.
Nunca tinha conhecido alguém que absorvesse
tantos detalhes com essa rapidez. Talvez pela minha mania de simplesmente não
confiar em quase ninguém eu tenha me sentido um pouco incomodada. Ou talvez porque
a última pessoa que reparou em mim desse jeito foi o Daniel. Mas, é claro, em
outras épocas, antes de ele virar o babaca que me tinha nas mãos e por quem eu
era completamente aficcionada.
- Te assustei? – Marcos
interrompeu meus pensamentos.
- Oi?
- Você ficou calada do nada.
Falei algo que te incomodou? – Sorri.
- Não, pode ficar tranquilo. Eu
só não estou acostumada com alguém reparando tanto em mim.
- Reparando em você ou percebendo você? – Ele desviou os olhos
da rua e esperou a minha resposta.
- Os dois. – Era isso o que ele
estava fazendo. Os dois.