- Nada... –
Falei, sem muita certeza na voz.
- Tudo bem...
Então por que você ligou? – Esqueci que ele me conhecia e que eu não
conseguiria esconder meu humor de forma alguma. Não estava preparada para
tantas perguntas. Não quero brigar com ele. Não quero lembrar do nosso último
encontro. Não quero lembrar do que fez ele sair de casa.
- Conversa
comigo? – Disse rápido, antes que ele cobrasse uma resposta novamente.
- Oi? – Ele pareceu
surpreso.
- Conversa
comigo. Eu estou à toa em casa e... Não sei mais ficar à toa sozinha. Você está
ocupado?
- É sexta feira
à noite, você sabe que eu nunca estou ocupado. – Ele riu.
- Você nunca
estava ocupado quando ficava aqui comigo. Agora, não sei. – Disparei.
- Laura... – E
aí está o tom de voz que significa: “cuidado, não cutuque a fera”
- Desculpa. Não
quero brigar. Por favor.
- Tudo bem... –
Ele parou por alguns segundos. – Como você está?
- Bem. E você?
Conseguiu aquele aumento que você disse que ia pedir ao seu chefe?
- Consegui. Não
foi tudo o que eu queria, mas a agência não fatura tanto e...
- Não fatura
tanto? Você trabalha numa das melhores agências de publicidade do Brasil,
Renato! Isso foi desculpa do seu chefe...
- Você não muda.
– Ele me interrompeu e eu pude ouvir uma risadinha ao fundo.
- Oi? – Foi a
minha vez de ficar surpresa.
- Você. Sempre acha
que eu mereço um emprego melhor e briga exatamente desse jeito sempre que eu
conto o que acontece lá na agência. – Meu coração disparou quando ele usou o
presente para se referir a nós dois.
- Porque você
realmente merece coisa melhor, Renato! Você dá o seu sangue por aquela agência
e não é reconhecido. Devia ganhar mais que seu chefe. – Ele riu.
- Eu gosto de
trabalhar lá, não é tão fácil assim, Laura...
- Claro que é
fácil, Rê! Você devia procurar um lugar que te valorize mais... – Ele murmurou
alguma coisa no outro lado da linha. – O que você disse?
- Nada...
- Disse sim,
conta, vai! – Eu ouvi. Não ouvi?
- Você me chamou
de Rê. – Droga.
- Chamei?
- Sim.
- Desculpa... É
o costume.
- Não tem nada.
E você, como está? De verdade, não quero só um “indo” dessa vez. Toda vez que
você diz que está “indo” tem alguma coisa muito errada acontecendo por aí. – No
fim das contas, seis anos de relacionamento não eram esquecidos assim, em
semanas.
- Estou tão cansada!
Acordei atrasada todos os dias essa semana – porque você não estava aqui para me chamar –, esqueci de passar no
mercado – porque a gente adorava fazer
isso juntos –, na farmácia e na padaria. Acho que não paguei as contas – porque era o seu mês de se preocupar com
isso. Quero dormir eternamente.
- Tudo bem,
entre isso tudo, a única coisa normal é você querer dormir eternamente. – Ele
riu.
- Você comeu em
casa essa semana, Laura? – Renato pareceu preocupado.
- Não. Inclusive
estou com tanta fome quanto os mosquitos que estão me devorando agora. – Falei
demais.
- Você está na
varanda? Com esse calor? O que houve com o ar condicionado? Queimou?
- Devagar, cara.
Uma pergunta por vez. Sim, estou na varanda com esse calor. Não, o ar
condicionado não queimou. Não posso aproveitar outra área do meu apartamento? –
Tenho certeza que isso não convenceu.
- Você? Não, você não faz isso. – Ele
disse com certeza.
- Mas eu estou
fazendo. – Falei.
- Tem certeza
que não é porque faltou energia no seu condomínio? – Como ele sabe disso?
- Absoluta. –
Falei rindo.
- Você já
jantou, Laura?
- Não tem comida
aqui em casa, Rê... – Usei o apelido dele de propósito dessa vez.
- Você não
existe... – Ele riu. – Chego aí em vinte minutos com comida pra você. Pode ser?
– Em qual momento da noite nós passamos de “dias sem nos falar” para “estou
indo te levar comida”?
- Pode. – Eu não
seria louca de dizer o contrário.
- Até já. – Ele
desligou o telefone. Eu fiquei mais alguns segundos com o meu celular no
ouvido, escutando o barulho da linha.
- Volta pra mim,
Rê. – Falei sozinha.
Tive um impulso
de me levantar, trocar de roupa, passar maquiagem e perfume, mas lembrei que se
eu tentasse, isso se viraria contra mim. Porque é impossível se maquiar no
escuro sem ficar parecendo o Coringa, Renato já tinha me visto em situações bem
piores do que essa e ele sempre disse que gosta mais de mim como eu estou agora:
pijaminha, cachos vermelhos assumidos e sem maquiagem para esconder minhas
sardas.
Coloquei mais
uma taça de vinho e bebi enquanto esperava por ele. Quando a campainha tocou,
confesso que estava meio tonta por ter bebido tanto sozinha e sentada, mas logo
recuperei o equilíbrio. A chave estava na porta, como de costume, e eu não
precisei de muito esforço para abrí-la.
- Você ainda tem
a chave, podia usar. – Falei quando abri a porta, com o coração dando
solavancos contra o meu peito pelo simples fato de ter visto o Renato depois de
dias.
- Você podia
estar ocupada com algo...
- Não tem
energia, eu estaria ocupada com o que? – Cheguei para o canto para que ele
entrasse.
- Sei lá, você
podia estar trocando de roupa.
- Na sala? –
Fechei a porta.
- Nunca duvido
de você. – Ele falou, no caminho para a cozinha.
- Mesmo que eu
estivesse trocando de roupa, você não veria nada. E se visse, não seria nenhuma
surpresa. – Falei e me apoiei na parede por causa da tontura.
- Você está bem?
– Ele veio me segurar prontamente, logo depois de ter repousado as sacolas na
bancada da cozinha.
- Sim. Acho que
só estou um pouco bêbada. Estômago vazio, falta de energia e um Chardonnay
enquanto eu estava sentada durante umas duas horas não foram boa coisa. – Ele
me segurou e eu me debrucei em seus braços, aproveitando para matar a saudade
que estava sentindo e fingindo que estava pior do que realmente estava.
- Vem, eu te
levo para o sofá.
Renato percebeu
que seria mais fácil se me tomasse nos braços ao invés de ir me guiando pelo
caminho na sala iluminada por uma vela que estava quase no fim. Enquanto eu
estava ali, com ele, senti como se nós nunca tivéssemos nos afastado. E foi aí
que eu tive certeza. Aqueles braços eram o meu lugar, minha casa. Eu pertencia
a Renato. E não ia continuar aceitando tudo o que tinha acontecido tão
facilmente.
No intervalo de
tempo em que ele me deixou ali e foi buscar o que quer que tinha comprado na
cozinha, a energia voltou. Continuei deitada, apenas ouvi a voz dele.
- Acho que você não
precisa mais de socorro. – Não, não, não.
- E isso quer
dizer que...
- Vou embora,
Laura. – Ele disse.
- Não se atreva
a sair por essa porta, Renato. Você já trouxe a comida. Vamos jantar como as pessoas
civilizadas que somos. – Falei e segundos depois, ele apareceu no meu campo de
visão. – Mas que...? O que você...? O QUE ACONTECEU COM SEU CABELO? – Me sentei
no sofá.
- Longa
história. E tem a ver com você. – Ele respondeu com um sorriso de canto.
- Sorte sua que
nós temos a noite toda.
- Tudo bem,
vamos jantar. – Ele começou a arrumar a mesa da cozinha. Me levantei.
- Aqui não!
Vamos para o ar condicionado. Por favor. Eu estou derretendo. – Calor. Contra
isso ele não poderia argumentar.
- Não tem mesa
no seu quarto.
- Como se nós
nunca tivéssemos feito as refeições sentados na cama, Renato. – Ele corou, mas
virou o rosto para disfarçar.
- Vai na frente
e liga o ar. Vou levar as coisas.
Juntei todos os
pedacinhos de sobriedade que eu tinha no corpo e andei até o meu quarto, liguei
o ar condicionado e me joguei na cama.