You bring me light ♥ - Laura e Renato #2


- O que houve? – Ele perguntou.
- Nada... – Falei, sem muita certeza na voz.
- Tudo bem... Então por que você ligou? – Esqueci que ele me conhecia e que eu não conseguiria esconder meu humor de forma alguma. Não estava preparada para tantas perguntas. Não quero brigar com ele. Não quero lembrar do nosso último encontro. Não quero lembrar do que fez ele sair de casa.
- Conversa comigo? – Disse rápido, antes que ele cobrasse uma resposta novamente.
- Oi? – Ele pareceu surpreso.
- Conversa comigo. Eu estou à toa em casa e... Não sei mais ficar à toa sozinha. Você está ocupado?
- É sexta feira à noite, você sabe que eu nunca estou ocupado. – Ele riu.
- Você nunca estava ocupado quando ficava aqui comigo. Agora, não sei. – Disparei.
- Laura... – E aí está o tom de voz que significa: “cuidado, não cutuque a fera”
- Desculpa. Não quero brigar. Por favor.
- Tudo bem... – Ele parou por alguns segundos. – Como você está?
- Bem. E você? Conseguiu aquele aumento que você disse que ia pedir ao seu chefe?
- Consegui. Não foi tudo o que eu queria, mas a agência não fatura tanto e...
- Não fatura tanto? Você trabalha numa das melhores agências de publicidade do Brasil, Renato! Isso foi desculpa do seu chefe...
- Você não muda. – Ele me interrompeu e eu pude ouvir uma risadinha ao fundo.
- Oi? – Foi a minha vez de ficar surpresa.
- Você. Sempre acha que eu mereço um emprego melhor e briga exatamente desse jeito sempre que eu conto o que acontece lá na agência. – Meu coração disparou quando ele usou o presente para se referir a nós dois.
- Porque você realmente merece coisa melhor, Renato! Você dá o seu sangue por aquela agência e não é reconhecido. Devia ganhar mais que seu chefe. – Ele riu.
- Eu gosto de trabalhar lá, não é tão fácil assim, Laura...
- Claro que é fácil, Rê! Você devia procurar um lugar que te valorize mais... – Ele murmurou alguma coisa no outro lado da linha. – O que você disse?
- Nada...
- Disse sim, conta, vai! – Eu ouvi. Não ouvi?
- Você me chamou de Rê. – Droga.
- Chamei?
- Sim.
- Desculpa... É o costume.
- Não tem nada. E você, como está? De verdade, não quero só um “indo” dessa vez. Toda vez que você diz que está “indo” tem alguma coisa muito errada acontecendo por aí. – No fim das contas, seis anos de relacionamento não eram esquecidos assim, em semanas.
- Estou tão cansada! Acordei atrasada todos os dias essa semana – porque você não estava aqui para me chamar –, esqueci de passar no mercado – porque a gente adorava fazer isso juntos –, na farmácia e na padaria. Acho que não paguei as contas – porque era o seu mês de se preocupar com isso. Quero dormir eternamente.
- Tudo bem, entre isso tudo, a única coisa normal é você querer dormir eternamente. – Ele riu.  
- Você comeu em casa essa semana, Laura? – Renato pareceu preocupado.
- Não. Inclusive estou com tanta fome quanto os mosquitos que estão me devorando agora. – Falei demais.
- Você está na varanda? Com esse calor? O que houve com o ar condicionado? Queimou?
- Devagar, cara. Uma pergunta por vez. Sim, estou na varanda com esse calor. Não, o ar condicionado não queimou. Não posso aproveitar outra área do meu apartamento? – Tenho certeza que isso não convenceu.
- Você? Não, você não faz isso. – Ele disse com certeza.
- Mas eu estou fazendo. – Falei.
- Tem certeza que não é porque faltou energia no seu condomínio? – Como ele sabe disso?
- Absoluta. – Falei rindo.
- Você já jantou, Laura?
- Não tem comida aqui em casa, Rê... – Usei o apelido dele de propósito dessa vez.
- Você não existe... – Ele riu. – Chego aí em vinte minutos com comida pra você. Pode ser? – Em qual momento da noite nós passamos de “dias sem nos falar” para “estou indo te levar comida”?
- Pode. – Eu não seria louca de dizer o contrário.
- Até já. – Ele desligou o telefone. Eu fiquei mais alguns segundos com o meu celular no ouvido, escutando o barulho da linha.
- Volta pra mim, Rê. – Falei sozinha.

Tive um impulso de me levantar, trocar de roupa, passar maquiagem e perfume, mas lembrei que se eu tentasse, isso se viraria contra mim. Porque é impossível se maquiar no escuro sem ficar parecendo o Coringa, Renato já tinha me visto em situações bem piores do que essa e ele sempre disse que gosta mais de mim como eu estou agora: pijaminha, cachos vermelhos assumidos e sem maquiagem para esconder minhas sardas.

Coloquei mais uma taça de vinho e bebi enquanto esperava por ele. Quando a campainha tocou, confesso que estava meio tonta por ter bebido tanto sozinha e sentada, mas logo recuperei o equilíbrio. A chave estava na porta, como de costume, e eu não precisei de muito esforço para abrí-la.

- Você ainda tem a chave, podia usar. – Falei quando abri a porta, com o coração dando solavancos contra o meu peito pelo simples fato de ter visto o Renato depois de dias.
- Você podia estar ocupada com algo...
- Não tem energia, eu estaria ocupada com o que? – Cheguei para o canto para que ele entrasse.
- Sei lá, você podia estar trocando de roupa.
- Na sala? – Fechei a porta.
- Nunca duvido de você. – Ele falou, no caminho para a cozinha.
- Mesmo que eu estivesse trocando de roupa, você não veria nada. E se visse, não seria nenhuma surpresa. – Falei e me apoiei na parede por causa da tontura.
- Você está bem? – Ele veio me segurar prontamente, logo depois de ter repousado as sacolas na bancada da cozinha.
- Sim. Acho que só estou um pouco bêbada. Estômago vazio, falta de energia e um Chardonnay enquanto eu estava sentada durante umas duas horas não foram boa coisa. – Ele me segurou e eu me debrucei em seus braços, aproveitando para matar a saudade que estava sentindo e fingindo que estava pior do que realmente estava.
- Vem, eu te levo para o sofá.

Renato percebeu que seria mais fácil se me tomasse nos braços ao invés de ir me guiando pelo caminho na sala iluminada por uma vela que estava quase no fim. Enquanto eu estava ali, com ele, senti como se nós nunca tivéssemos nos afastado. E foi aí que eu tive certeza. Aqueles braços eram o meu lugar, minha casa. Eu pertencia a Renato. E não ia continuar aceitando tudo o que tinha acontecido tão facilmente.

No intervalo de tempo em que ele me deixou ali e foi buscar o que quer que tinha comprado na cozinha, a energia voltou. Continuei deitada, apenas ouvi a voz dele.

- Acho que você não precisa mais de socorro. – Não, não, não.
- E isso quer dizer que...
- Vou embora, Laura. – Ele disse.
- Não se atreva a sair por essa porta, Renato. Você já trouxe a comida. Vamos jantar como as pessoas civilizadas que somos. – Falei e segundos depois, ele apareceu no meu campo de visão. – Mas que...? O que você...? O QUE ACONTECEU COM SEU CABELO? – Me sentei no sofá.
- Longa história. E tem a ver com você. – Ele respondeu com um sorriso de canto.
- Sorte sua que nós temos a noite toda.
- Tudo bem, vamos jantar. – Ele começou a arrumar a mesa da cozinha. Me levantei.
- Aqui não! Vamos para o ar condicionado. Por favor. Eu estou derretendo. – Calor. Contra isso ele não poderia argumentar.
- Não tem mesa no seu quarto.
- Como se nós nunca tivéssemos feito as refeições sentados na cama, Renato. – Ele corou, mas virou o rosto para disfarçar.
- Vai na frente e liga o ar. Vou levar as coisas.


Juntei todos os pedacinhos de sobriedade que eu tinha no corpo e andei até o meu quarto, liguei o ar condicionado e me joguei na cama. 

Chardonnay feelings - Laura e Renato #1


- Merda. – Claro. Tudo o que eu precisava era que a energia elétrica acabasse. Justo agora, que eu vinha repetindo uma sequencia controlada de coisas apenas para me manter em movimento, sem pensar muito no que havia acontecido.

Já estava preparada para minhas últimas atividades do dia: Assistir TV e dormir. Mas fui interrompida por essa indiscreta e inconveniente falta de consideração da companhia de energia elétrica com os moradores do Rio de Janeiro nesse início de verão infernal.

Me levanto da cama quando o frescor do ar condicionado que foi forçado a se desligar acaba. Vou até a cozinha iluminando o caminho com o celular que, por sorte está carregado, busco uma lanterna e me sento na sacada, torcendo para não ser engolida pelos mosquitos. Quando penso em procurar o repelente, me lembro de tudo que não devia lembrar.

Era a vez dele de ir à farmácia. E eu estava tão concentrada na minha rotina mecânica que tinha esquecido que, agora, eu deveria fazer todas as compras sozinha, e não uma semana sim e outra não. Percebo que meus sabonetes e cotonetes também estão no fim. Será que eu tinha esquecido de pagar a conta de luz e me cortaram a energia, por isso estou no escuro agora? Não, todos os apartamentos do meu condomínio estão completamente apagados, a culpa deve ser da companhia de energia elétrica mesmo. A não ser que os meus vizinhos sintam a falta do Renato da mesma forma insana e devastadora que eu.

E eles deviam. Renato era a metade sociável e simpática desse apartamento. Sempre ajudava a senhora do 602 com as bolsas do supermercado, jogava futebol com as crianças e deixava o wifi sem senha quando alguém se reunia no play, logo aqui embaixo. Ainda tinha que me ouvir reclamando por isso. Cumprimentava todos os vizinhos e eu era a “namorada antipática do Renato”. Era difícil me reconhecerem como Laura quando eu passava boa parte do dia na rua e, quando estava no condomínio, passava por todas as pessoas de óculos escuros e nariz empinado. Não precisava fingir sorrisos a alguém que eu não conhecia. Ele fazia toda a política de boa vizinhança por nós dois. Ele não percebia, mas eu sabia que as mulheres que moravam por perto, casadas ou solteiras, suspiravam quando ele passava. E eu me sentia bem. Porque apesar de eu reclamar da wifi, do futebol de domingo e das canecas de café pela casa, todos os dias, ele perguntava o que eu queria jantar. Me acordava com beijos quando eu me atrasava para o trabalho e, depois de um tempo, passou a levantar  mais cedo só para ter o prazer de ver o sorriso de bom dia no meu rosto toda vez que me acordava assim. O “eu te amo” dele era sempre a última coisa que eu ouvia no dia e a primeira coisa depois do “bom dia, meu anjo”.

E eu o deixei ir embora.

Não. Eu o coloquei para fora.

O coloquei para fora com o meu orgulho, minha teimosia, meus ciúmes e minha cobrança.

E agora eu estava aqui, sozinha, sem energia, com medo, calor e fome, porque não tinha mais ninguém preparando meu jantar. Estava aqui, sendo engolida por mosquitos enquanto acabava com uma garrafa de Chardonnay, só porque era a única coisa para beber na minha geladeira além de água e gelo.

Muitos mosquitos e copos cheios depois, eu peguei o celular. Minha situação estava deplorável e decadente e se engolir meu orgulho era o necessário para que eu voltasse a ter um pouquinho de dignidade, eu engoliria. Precisava dele. Definitivamente, aqui, ao meu lado. Disquei seu número com o costume de seis anos olhando para aquela sequencia diariamente e esperei que ele atendesse.

Em dois milésimos de segundo, pensei que uma mulher poderia atender. Um toque. Ele tinha todo o direito de estar com outra pessoa. Nós estávamos separados há duas semanas. Não é muito tempo e eu realmente esperava que ele não tivesse substituído a pessoa que dormia ao lado dele tão rápido, mas essa possibilidade existia. Dois toques. E eu me quebraria em um milhão de pedaços se descobrisse que isso aconteceu agora, nessa situação. No terceiro toque, como sempre, ele atenderia. Desliguei antes disso. Joguei o celular no sofá e continuei na sacada, para não correr o risco de ligar novamente.

Burra. Você não devia ter perdido a cabeça daquela forma. Não devia ter deixado uma briga boba chegar àquele ponto. Devia ter ido atrás quando ele saiu pela porta e voltou para o apartamento dele. Ele só queria o meu bem. Eu só quero uma segunda chance.

Meu celular começou a tocar na sala. Era o ringtone dele. Corri e o peguei. Atendo ou não? Atendo ou não? E se não for ele?

Meu medo não foi maior do que a vontade de ouvir a voz dele novamente.

- Oi.
- Oi, Laura. Você me ligou?

Ele não parecia irritado nem nada. E eu tinha o dom de irritar o Renato. Ele ainda soava como o Renato que me amava. E eu esperava que ainda fosse ele.


- Liguei...