Chardonnay feelings - Laura e Renato #1


- Merda. – Claro. Tudo o que eu precisava era que a energia elétrica acabasse. Justo agora, que eu vinha repetindo uma sequencia controlada de coisas apenas para me manter em movimento, sem pensar muito no que havia acontecido.

Já estava preparada para minhas últimas atividades do dia: Assistir TV e dormir. Mas fui interrompida por essa indiscreta e inconveniente falta de consideração da companhia de energia elétrica com os moradores do Rio de Janeiro nesse início de verão infernal.

Me levanto da cama quando o frescor do ar condicionado que foi forçado a se desligar acaba. Vou até a cozinha iluminando o caminho com o celular que, por sorte está carregado, busco uma lanterna e me sento na sacada, torcendo para não ser engolida pelos mosquitos. Quando penso em procurar o repelente, me lembro de tudo que não devia lembrar.

Era a vez dele de ir à farmácia. E eu estava tão concentrada na minha rotina mecânica que tinha esquecido que, agora, eu deveria fazer todas as compras sozinha, e não uma semana sim e outra não. Percebo que meus sabonetes e cotonetes também estão no fim. Será que eu tinha esquecido de pagar a conta de luz e me cortaram a energia, por isso estou no escuro agora? Não, todos os apartamentos do meu condomínio estão completamente apagados, a culpa deve ser da companhia de energia elétrica mesmo. A não ser que os meus vizinhos sintam a falta do Renato da mesma forma insana e devastadora que eu.

E eles deviam. Renato era a metade sociável e simpática desse apartamento. Sempre ajudava a senhora do 602 com as bolsas do supermercado, jogava futebol com as crianças e deixava o wifi sem senha quando alguém se reunia no play, logo aqui embaixo. Ainda tinha que me ouvir reclamando por isso. Cumprimentava todos os vizinhos e eu era a “namorada antipática do Renato”. Era difícil me reconhecerem como Laura quando eu passava boa parte do dia na rua e, quando estava no condomínio, passava por todas as pessoas de óculos escuros e nariz empinado. Não precisava fingir sorrisos a alguém que eu não conhecia. Ele fazia toda a política de boa vizinhança por nós dois. Ele não percebia, mas eu sabia que as mulheres que moravam por perto, casadas ou solteiras, suspiravam quando ele passava. E eu me sentia bem. Porque apesar de eu reclamar da wifi, do futebol de domingo e das canecas de café pela casa, todos os dias, ele perguntava o que eu queria jantar. Me acordava com beijos quando eu me atrasava para o trabalho e, depois de um tempo, passou a levantar  mais cedo só para ter o prazer de ver o sorriso de bom dia no meu rosto toda vez que me acordava assim. O “eu te amo” dele era sempre a última coisa que eu ouvia no dia e a primeira coisa depois do “bom dia, meu anjo”.

E eu o deixei ir embora.

Não. Eu o coloquei para fora.

O coloquei para fora com o meu orgulho, minha teimosia, meus ciúmes e minha cobrança.

E agora eu estava aqui, sozinha, sem energia, com medo, calor e fome, porque não tinha mais ninguém preparando meu jantar. Estava aqui, sendo engolida por mosquitos enquanto acabava com uma garrafa de Chardonnay, só porque era a única coisa para beber na minha geladeira além de água e gelo.

Muitos mosquitos e copos cheios depois, eu peguei o celular. Minha situação estava deplorável e decadente e se engolir meu orgulho era o necessário para que eu voltasse a ter um pouquinho de dignidade, eu engoliria. Precisava dele. Definitivamente, aqui, ao meu lado. Disquei seu número com o costume de seis anos olhando para aquela sequencia diariamente e esperei que ele atendesse.

Em dois milésimos de segundo, pensei que uma mulher poderia atender. Um toque. Ele tinha todo o direito de estar com outra pessoa. Nós estávamos separados há duas semanas. Não é muito tempo e eu realmente esperava que ele não tivesse substituído a pessoa que dormia ao lado dele tão rápido, mas essa possibilidade existia. Dois toques. E eu me quebraria em um milhão de pedaços se descobrisse que isso aconteceu agora, nessa situação. No terceiro toque, como sempre, ele atenderia. Desliguei antes disso. Joguei o celular no sofá e continuei na sacada, para não correr o risco de ligar novamente.

Burra. Você não devia ter perdido a cabeça daquela forma. Não devia ter deixado uma briga boba chegar àquele ponto. Devia ter ido atrás quando ele saiu pela porta e voltou para o apartamento dele. Ele só queria o meu bem. Eu só quero uma segunda chance.

Meu celular começou a tocar na sala. Era o ringtone dele. Corri e o peguei. Atendo ou não? Atendo ou não? E se não for ele?

Meu medo não foi maior do que a vontade de ouvir a voz dele novamente.

- Oi.
- Oi, Laura. Você me ligou?

Ele não parecia irritado nem nada. E eu tinha o dom de irritar o Renato. Ele ainda soava como o Renato que me amava. E eu esperava que ainda fosse ele.


- Liguei... 

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