Biscoitos da Sorte


A mesa da sala estava, como sempre, cheia de papeis, canetas, lápis de cor e amostras de tecidos espalhados. Minhas mãos estavam sujas de giz e eu estava usando roupa de dormir. E de dormir, só tinha a roupa mesmo. Ninguém precisa dormir num surto criativo.  Ou pelo menos eu, Alice, não preciso. Eram só duas da manhã, estava cedo. E naquele momento em que uma luz divina me encontrou e eu tive a ideia perfeita para o caimento de um tecido, a campainha tocou. Claro. É sempre assim.

- Sou eu, Alice! – Seth falou do lado de fora.
- Você tem a chave, é só abrir! – Ele destrancou a porta e entrou – Vou recolher a chave do meu apartamento que está com você. Qual é o sentido de tocar a campainha toda vez que você quer entrar aqui?
- Ué, vai que você está trocando de roupa... – Olhei para ele, debochada.
- Como se você realmente nunca tivesse me visto trocando de roupa.
- E se você estivesse acompanhada? – Ele se abaixou e parou com o rosto perto do meu.
- Eu te aviso quando trouxer o meu amante pra cá. Aí você não entra.

Ele me deu um beijo e foi andando para a cozinha. Eu tinha cozinha americana, então conseguia conversar com ele sem precisar sair de onde estava. Mas eu queria ir junto...

- Por favor. Não quero te pegar dando uns amassos em outro cara. Você tem capacidade de fazer sem eu descobrir, Alice Harding. – Seth colocou os pacotes que tinha trago no balcão da cozinha.
- E quem disse que eu quero dar uns amassos em outro cara?
- É muito bom saber essas coisas, sabia? – Ele me deu outro beijo antes que eu pudesse pensar em fazer o mesmo.

Às vezes eu pensava que o que nós dois tínhamos era estranho. Nós fomos criados juntos, somos praticamente irmãos... e agora nós nos beijamos. E fazemos mais algumas coisinhas. Já devia ter me acostumado com isso, afinal, estamos juntos há mais de três anos, mas nunca é normal quando você se apaixona pelo seu melhor amigo.

- O que você trouxe aí pra mim?
- Quem disse que é pra você? – Ele respondeu.
- Bem, são duas da manhã e você entrou na minha casa com pacotes de comida. Deve ter visto a luz acesa e foi comprar o jantar porque é um ótimo namorado e sabe que eu estava trabalhando até tarde e que não tinha comido nada até agora.
- Você realmente devia fazer mais pausas enquanto fala, Alice.
- E você devia fugir menos do assunto principal, Seth.
- Eu trouxe japonês. Porção dupla pra você.
- Certo, como sempre. – Falei enquanto abria a sacola. – Sério, como você sabia que eu estava acordada?
- Você não mandou mensagem de boa noite. E então eu soube que você ainda estava acordada e vim trazer o seu jantar pra te tirar do trabalho um pouquinho. – Ele me deu um beijo na testa.
- Obrigada. Eu estou faminta. Como foi a visita àquela casa que você e o Connor planejaram? – Perguntei enquanto estava distraída com os hashis.
- Normal. Aquele jardim de inverno que você disse pra eu desenhar no projeto ficou bem legal, você devia ter visto.
- Já disse, eu devia trabalhar com você. – Eu ri.
- E eu já chamei, você não vem porque não quer.
- Eu não vou porque sou estilista da Harper’s Bazaar. Tenho um bom emprego... Não quero roubar o seu. – Brinquei.
- No dia em que você conseguir fazer a planta de uma casa de verdade, a gente conversa.
- Eu faço uma planta e você desenha um vestido, combinado? – Dei um empurrãozinho nele.
- Isso não é justo. – Ele devolveu o empurrão.
- Então me deixa no meu emprego.
- Tudo bem, tudo bem. Eu deixo você me ajudar a planejar a nossa casa, ok? – Ele disse.
- E quando vai ser isso? Daqui a dez anos? – Provoquei. – Parece que você tem medo de se casar comigo.
- Claro, Alice! – Ele falou sério. – Você é desorganizada, não tem horário para fazer nada, vive se atrasando pros compromissos e é uma péssima cozinheira. Porque eu ia querer me casar com você?
- Não sei. – Respondi. – E não olha assim, não vai pensando que eu quero casar. Não quero. – Peguei a caixinha de comida e voltei para a mesa.
- Você não vai abrir seus biscoitos da sorte? Vieram dois!
- Depois.
- Mas eles estão aqui, acabei de tirar do saquinho.
- Abre você, então. – Respondi olhando para os desenhos. Qual era a ideia que eu tinha tido quando ele chegou mesmo?
- Não posso. Você tem que abrir os seus.
- Então abre o seu. – Não estava irritada. Não tinha motivos para isso. Ou tinha? Eu realmente era tão boba a ponto de me chatear com uma brincadeira sobre casamento?
- “Você está prestes a viver uma grande mudança”. – Ele leu o papelzinho do biscoito dele.
- Vai mudar a cor do cabelo, Seth?
- Engraçadinha. – Ele se aproximou e jogou os dois biscoitinhos na mesa, à minha frente. – Abre. – Bufei e abri o primeiro sem olhar para ele.
- “Você precisa dar respostas positivas com mais frequência”. Satisfeito? – Perguntei.
- Abre o outro.
- Seth...
- Deixa de ser teimosa e abre, Alice! – Abri rápido e não prestei atenção quando li.
- “Desenhe um vestido de noiva para você, Alice”. Agora os biscoitinhos da sorte também querem opinar no meu trabalho. Desenhar vestido de noiva é super complicado.

Deixei os papeizinhos de lado e voltei a olhar para os desenhos. Seth me cutucou.

- Você prestou atenção no que o biscoito dizia?
- Que eu tinha que desenhar um vestido de noiva. Já fiz isso algumas vezes, é complicado demais.
- Meu Deus do céu, tenho que adicionar “desligada” à lista de motivos pelos quais eu supostamente não quero me casar com você. – Ele tirou uma caixinha do bolso do casaco e a colocou aberta na minha frente na mesa.

Não.
Não era o que eu estava pensando.
Ou era?

- Seth? O que é isso?
- Isso é uma anel, Alice. Eu estou te pedindo em casamento, sua topeira!
- Mas... eu não sei cozinhar.
- Nós moramos em Nova Iorque. Sempre tem um restaurante aberto em algum lugar.
- Você tem certeza?
- Sim, Alice. Eu tenho certeza disso desde o momento em que te pedi em namoro há um milhão de anos atrás. Você quer se casar comigo? – Ele ajoelhou. Acho que foi esse o momento em que eu comecei a chorar.
- Sim! Eu quero!

 Ele colocou o anel no meu dedo. Era a definição de pedra grande. Era a minha cara.

- Eu te amo, sua tonta. – Ele me deu um beijo.
- Eu também te amo, seu chato.
- Você vai ter que ser mais organizada daqui pra frente.
- Prepare-se para passar muito tempo tentando fazer isso, baby.
- Pode ser a vida inteira?
- Pode. Se você quiser, ainda peço ajuda para o meu amante.
- Mas você disse que não queria dar uns amassos em mais ninguém...
- Isso não quer dizer que eu não tenha outro alguém para dar uns amassos. – Pisquei para ele e me joguei no sofá com a mão esquerda para o alto, olhando meu anel. Ele deitou por cima de mim.
- Aposto que o anel dele vai ser mais bonito quando e se ele te der um.
- Provavelmente. Ele é melhor que você em muitos aspectos. Mas sabe o que não é?
- O que?
- Seu beijo é mais gostoso.
- Isso foi um pedido, Alice?
- Ah, achei que você não devia ser o único com uma forma criativa de fazer um pedido hoje...


E eu tinha que trabalhar. Mas eu estava noiva. Quem se importava?

Os bebês de In New York's Streets noivaram, galerê ♥
Senti saudades da fic e resolvi postar uma coisinha hoje.
 Pode ser que, em breve, eu apareça com mais histórias das outras "crianças".
Beijos :)

Ah, se ele soubesse...


São oito da manhã de sábado e eu acordo. Antes de sair da cama delicadamente, dou um beijo na testa dele e preciso de concentração para conseguir sair de perto da feição angelical que ele assume ao dormir. Troco de roupa e vou caminhar, como faço todos os dias. Na volta, compro o iogurte predileto dele e, quando chego em casa, a mesa do café está posta com todas as minhas comidas preferidas. "Foge da dieta um pouquinho, só por hoje, vai?". Como se eu fosse capaz de negar alguma coisa àqueles doces olhos castanhos.

Ele começa o dia fazendo as mesmas piadas sem graça que eu já ouvi e que não me importo em ouvir novamente. Depois do café, optamos por não fazer nada. É sábado, afinal de contas. Nossa sala nos aguarda com as nossas músicas, nossos filmes e séries e, por mais que eu tome contra dos controles remotos os dia inteiro, ele não reclama. Me faz massagem e me ouve falar sobre os problemas no trabalho, sobre o filme da sessão da tarde e sobre o casamento da minha irmã.

Ele diz que eu fico mais bonita usando camiseta branca e short jeans, com havaianas e rabo de cavalo do que quando passo horas me produzindo. Mesmo que faltem dois meses para o meu aniversário, ele liga dizendo "encomendei aquela torta que você pediu naquele dia, quando a gente estava naquele lugar e você ria das criancinhas que passavam correndo". E nem eu lembrava dessa torta.

Ele diz que me ama toda hora. Me enche de beijos, carinhos e mimos. Não se prende a datas. Se acha que deve me dar um presente, dá. Não importa o preço. "Valeu a pena por esse sorriso no teu rosto", ele fala depois que eu digo que não precisava comprar nada.

Ele é incrivelmente perfeito, mas não tem nem ideia disso.

Sou possessiva. Esperneio, brigo, converso, peço desculpas e brigo de novo quando me sinto ameaçada. Se ele soubesse como é desejado. Sinto ciúmes de qualquer menina mais bonita que se aproxima. Tenho medo de que ele finalmente perceba que eu sou um grande emaranhado de problemas, neuroses e traumas e que merece coisa muito melhor.

Ele tem a audácia de achar que a perfeita na relação sou eu. Diz que quando eu perceber isso, vou querer um cara dez mil vezes mais perfeito que ele. Bobinho. Nunca trocaria aqueles olhos castanhos, aquela barba mal feita, aqueles carinhos e as palavras doces ao pé do ouvido.

Hoje percebo que me apaixonei no momento em que ele disse "oi". Esperei. E consegui o que tanto queria: Que ele se apaixonasse de volta.

E ele diz que sou a mulher de seus sonhos. Mas fui eu quem sempre sonhou com um homem como ele.

Que sorte, a minha.
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Este texto foi inspirado e escrito como resposta a esse aqui, do Hugo Rodrigues, postado no Entenda os Homens (e esse é um site que, se você nunca visitou, deveria visitar AGORA). Como deve ter ficado claro, ele é dedicado ao meu namorado, que acaba sendo mais perfeito que qualquer outra possível comparação.