A Melhor Coisa Que Já Foi Minha


Tudo começou quando eu resolvi parar na cafeteria do campus da universidade, num dia comum, que deveria ser como qualquer outro. Era o início do ano letivo e eu ainda não conhecia muita gente... Nem mesmo havia ido àquele lugar antes. Era bem tranquilo, e para qualquer lado que se olhava, via-se alguém com um livro aberto, tomando notas num caderno ou simplesmente lendo. "Vou gostar daqui", pensei. Mal sabia eu que a tranquilidade não seria o único motivo para que isso acontecesse...

Escolhi a mesa onde sentaria, e um rapaz de avental se aproximou com um bloquinho e uma caneta nas mãos.  Ele não parecia ser muito mais velho que eu, tinha 22, 23 anos, no máximo. Eu tive aquela impressão de que o conhecia de algum lugar, mas não lembrava de onde. Ele pareceu lembrar-se de mim também. Mais tarde, descobri que o interesse dele por mim começou ali, naquele instante, naquele breve reconhecimento de fisionomias. Mas eu ainda tinha medo. Medo não, eu tinha repulsa a qualquer relacionamento que envolvesse algum sentimento maior. Pode-se dizer que meu exemplo familiar não foi dos melhores. Meus pais viviam brigando em casa, na minha frente. E o mais irônico é que hoje, eles estão super bem, super felizes. E a maior prejudicada sou eu. 

No dia seguinte, descobri de onde o conhecia. Nós éramos da mesma turma Ele chegou atrasado, e me viu no fundo da sala, olhando para ele. Eu ainda não sei o que me fez encará-lo por tanto tempo, a ponto dele perceber. Ele rapidamente se sentou, mas não sem me dar um discreto sorriso torto antes de se virar. Naquele momento, meu corpo reagiu de uma forma no mínimo, estranha. Inesperada. As borboletas quase levaram meu estômago de mim, meu coração marcou presença no meu peito e o sangue apostou corrida para o meu rosto, me deixando vermelha. Eu não sabia o que estava acontecendo comigo, nunca tinha me sentido assim. 

No fim daquela aula, ele me esperou na porta da sala. Foi um ato de muita coragem, no mínimo. Ele perguntou se podia me acompanhar no almoço, e, sem pensar, eu disse sim. Uma voz, bem lá no fundinho dizia para fugir dali o mais rápido o possível, mas, de alguma forma, eu consegui ignorá-la. E fui. E não me arrependi. Nós nos demos bem, logo de cara. Mesmos gostos, mesmos pensamentos, mesmo curso na faculdade. A mesma turma. Eu me senti muito bem durante todo o tempo em que estive com ele. A vozinha companheira na minha cabeça até se calou. Mas fez questão de voltar no momento em que fiquei sozinha novamente. Junto com ela, o medo e a insegurança apareceram, e eu, enfim, percebi: Estava me apaixonando. 

Nosso primeiro beijo? Aconteceu alguns encontros depois. Eu já tinha certeza que estava completamente apaixonada, e ele parecia sentir o mesmo. Ele me levou para ver o pôr-do-sol na praia, e, ali, com o céu alaranjado de fundo, me beijou e disse que me amava pela primeira vez. Foi repentino, mas eu acreditei. Acreditei porque sentia o mesmo. Eu tinha dois sentimentos brigando dentro de mim. O medo do que estava por vir e a vontade de viver esse amor inesperado. 

Não consegui mais suportar essa guerra dentro de mim quando ele deu o primeiro passo que significava um compromisso maior do que um simples namoro. Eu passava mais tempo na casa dele do que na república onde morava, então, um dia, ele me chamou para me mudar definitivamente para lá. Eu disse que precisava de um tempo para pensar. Passar o dia e morar junto são coisas completamente diferentes. Ou não? Eu não suportava mais. Contei tudo para ele. Minha história, meus medos, minha insegurança e o motivo dela. E ao invés de correr, como qualquer outro cara faria, ele me abraçou. E não disse uma palavra até que eu me acalmasse. "Nós nunca cometeremos os mesmos erros que os seus pais. Eu vou te ajudar a vencer esse medo". Lembro de suas palavras como se ele as tivesse dito há segundos perto de mim. 

Eu não tinha ideia do que ele estava planejando. 

Levar a vida a dois não foi a experiência mais fácil do mundo. Nós eramos muito jovens, não sabíamos nada da vida. Ou nada dessa nova vida. Mas estávamos aprendendo juntos, e ensinando um ao outro.

As discussões momentâneas eram invetáveis. Normal quando duas pessoas diferentes - ou muito iguais -dividem o mesmo teto. Mesmo assim, eu só me lembro de uma das nossas brigas. A única briga séria que nós tivemos, durante todo esse tempo. Aquilo me fez lembrar dos meus pais. Depois de tanto esforço para acabar com eles, meus antigos conhecidos, o medo e a insegurança, me inundaram como se nunca tivessem saído daqui. Mas, dessa vez, as ondas eram mais fortes. Afinal, agora eu era a protagonista da história.

Aquela sensação foi insuportável para mim. Eu saí sem rumo, pelo meio da rua, tarde da noite. Já estava preparada para o fim de tudo aquilo, de tudo que nós construímos juntos. Mas ele veio atrás de mim e me fez acreditar no contrário. Olhou nos meus olhos, e disse que nunca me deixaria sozinha.

Ele cumpre essa promessa até hoje.

Algumas semanas depois disso, ele fez o que planejava desde quando começamos a morar juntos. No dia em que completamos dois anos de namoro, ele me levou ao lugar do nosso primeiro beijo. E me pediu em casamento. Depois de tudo que passamos, depois de tudo o que ele fez por mim e levando em consideração tudo o que eu sentia por ele, eu não podia dizer outra coisa que não fosse "Sim, eu aceito".

Nós casamos depois que terminamos a faculdade. Constituímos família. Hoje, somos em quatro. Eu, ele e mais dois meninos. Eu me tornei aquele tipo de mãe que conta incessantemente como os pais se conheceram. Aquele tipo de mãe que faz questão de mostrar, em cada atitude, a felicidade que sente em estar ao lado do pai dos meus filhos. Meus filhos nunca vão sentir medo de amar. Nunca vão ser inseguros. Pelo menos não por culpa minha. Porque eu sou o tipo de mãe que não se cansa de contar que o homem que eles chamam de  pai, é a melhor coisa que me aconteceu. A melhor coisa que já foi minha.